A poética da história: Letícia Pumar e a produção artística como pesquisa
This article consists of an analysis of the work of the artist Letícia Letícia Pumar, highlighting how it largely reflects her own trajectory. Upon contact with Aby Warburg’s Atlas Mnemosyne, whose procedure lies between science and art, the researcher in the History of Science begins to incorporate procedures from the artistic field into historiographic research. It is a question of emphasizing the sensitive elements of historiographic research, such as the materiality of documents and the work with images in order to elaborate a poetics of historiography, that is, other possibilities of presentation of the results of research. Hussak, P. (2020). A poética da história: Letícia Pumar e a produção artística como pesquisa. Rapsódia, (14), 71-85. https://doi.org/10.11606/issn.2447-9772.i14p71-85 |
Le Temps du Paysage / The Time of the Landscape avec/with Jacques Rancière,
a Day of Aesthetic Cartography of Situations. 29.09.2022, Les Orangeries de Bierbais. Lecture of the text de Pedro Hussak about the collages for the expo A Rural em imagem: para além dos clichês that I organized with UFRRJ students in 2018 . Polyculture/Permaculture a walk through the potager co-ordinated by researchers and artists in residency in Les Orangeries de Bierbais around a moment of reflection with Jacques Rancière, Elisabetta Cuccaro, and Ivana Momčilović. Artistic interventions by Helena Cazaerck and Pedro Hussak. |
Entremeios A disciplina de História & Imagem no Programa de Pós-graduação em História da UFRRJ deu origem ao Entremeios, grupo de pesquisa que procura trabalhar a articulação entre a operação historiográfica e a operação artística a partir da análise do trabalho de artistas visuais e de teóricos da imagem que abordam questões sobre história e memória. https://entre-meios.webnode.com. Letícia Pumar Geovana Siqueira Marília Monitchele Caroline Santana José Roberto Saiol Artigo do grupo na Rede HuManas: https://www.humanasrede.com/post/por-outras-imagens-e-outras-hist%C3%B3rias |
Imagem-clichê; imagem-abertura
Pedro Hussak (UFRRJ), Flavia Oliveira (UFRJ)
A exposição Rural em imagem: para além dos clichês, montada na Biblioteca Central recém inaugurada da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, consiste em delicado trabalho que envolve alunos do curso de História da Universidade, a partir da iniciativa da profa. Letícia Pumar. Trata-se de uma síntese entre dois trabalhos que se complementam: por um lado, a pesquisa nos arquivos localizado no Centro de Memória da Universidade; por outro, o trabalho fotográfico dos alunos que, desinteressado das imagens-clichê que compõem o imaginário da Universidade, busca operar nas fendas abertas pelas dinâmicas e questões vividas pelos estudantes que frequentam o campus de Seropédica. Assim, são propostos quatro eixos temáticos que expressam muito particularmente o olhar de quem conhece os meandros, os cantos, os aspetos menos visíveis da vida Universitária: contradições, lutas, caminhos e construções. Entremos na exposição pelos caminhos, caminhos esse que normalmente são desvios feitos para encurtar as distâncias entre os edifícios, contornando o plano urbanismo com trilhas sinuosas por onde se deslocam a pé alunos, funcionários e professores. Em uma das montagens, vê-se a junção de uma foto dos atalhos que levam à sede da Universidade com uma foto de formatura, o objetivo de todo percurso da graduação universitária. Ao fundo, a grande imagem-clichê da Universidade, o imponente prédio da Reitoria, considerado por muitos uma das Universidades mais bonitas do Brasil. Idealizada nos fins do século 1930, o projeto para o campus da UFRRJ coincide com a emergência do projeto moderno brasileiro encabeçado pelo arquiteto Lúcio Costa. Enquanto Costa convida o arquiteto franco-suíço Le Corbusier para introduzir seus conceitos modernistas, a empresa paulista Mário Whately Engenheiros Civis, Architectos e Industriaes coordenada pelo arquiteto Ângelo Murgel projeta três pavilhões principais com linguagem Neocolonial, conforme exigência do governo federal[1]. É nesse desacordo temporal que podemos fazer um paralelo com as ações de Letícia junto a seus alunos. Por escolher ornamentos “passadistas" em seus pavilhões principais em detrimento do novo estilo que emergia, a arquitetura da Rural foi considerada ultrapassada por se alinhar a uma visão “reacionária”, que refletia a imagem da oligarquia rural da época. No entanto, determinar uma temporalidade ligada ao “passado” talvez seja demasiado simplista para explicar a complexidade que envolvia todo o planejamento arquitetônico e urbanístico da UFRRJ. Embora seus edifícios principais exibam uma imagem passadista, o partido organizado em blocos adotado por Ângelo Murgel sofreu influências da arquitetura orgânica preconizada pelo arquiteto estadunidense Frank Lloyd Whrigth. Em resposta aos condicionantes locais, não fazia sentido imitar o modernismo europeu, mas poderia-se oferecer múltiplas abordagens e soluções. Assim não fazia sentido, imitar o modernismo europeu, afinal “para cada região do globo terrestre deve haver uma expressão da architectura, que corresponda às necessidades particulares daquella zona, attendendo aos diversos factores”[2]. Em outras palavras, na concepção do arquiteto brasileiro, o modernismo deveria adaptar-se às necessidades locais, atendendo aos diversos fatores, sejam eles climáticos, políticos ou econômicos. Por isso, no caso da Rural, tem-se a seguinte equação, um partido moderno confrontado com a imagem que justamente tende apagar os pressupostos modernistas revelados na monumentalidade e ornamentação de suas construções principais. Assim, vemos surgir uma temporalidade heterogênea para explicar esse projeto: a dimensão de “passado” que a linguagem neocolonial sugere funde-se com a visão de “futuro” contida na dimensão urbanística do campus. Temporalidade que situa-se portanto suspensa entre o passado e o futuro. Ela é anacrônica por emergir, uma linguagem do séc.XIX, tão tardiamente em um contexto do novo projeto moderno. Anacronismo que nos dá a chave de leitura para as montagens aqui expostas. Recentemente, o anacronismo foi defendido por sua dimensão positiva nos estudos da história da arte por Didi-Huberman[3]. Ao colocar em relação épocas e culturas diferentes, ele liberta a imagem para que esta não nos esconda nada. Sua própria abertura nos faz parar, olhá-la é estar à espera, é estar diante da constelação de temporalidades que constitui o nosso próprio tempo. Nesta exposição, esse tempo múltiplo abre-se nos cortes das imagens manipuladas do passado sem hierarquias com as do presente. Opta-se por uma montagem simétrica entre as imagens em que são criadas faixas intercaladas entre a foto antiga e a nova, produzindo uma confusão intencional na percepção da figura-fundo. Uma foto não é o fundo da outra, mas apresentam-se em uma tensão não resolvida entre os polos do passado e do presente. Esta tensão está particularmente presente no eixo Construções em que fotos recuperadas da construção da Universidade aparecem com fotos recentes. Destaca-se o fato de que, excetuando duas fotos feitas por professores e algumas fotos retirada de rede sociais, as fotos foram feitas por alunos da Universidade, ou seja, aqueles que, andando por seus atalhos, experimentam o cotidiano do campus em detrimento da imagem imponente de sua arquitetura. Portanto, em vez da imagem-clichê, eles produzem imagens que procuram abrir as questões que os afligem na vida Universitária. Daí um eixo dedicado às contradições que não são poucas. O medo sentido pelas meninas do curso noturno ao andar pelas vias sem iluminação e a luta do movimento feminista por mais segurança na Universidade ou então a beleza da paisagem da Universidade e os buracos no caminho para o P1. O eixo lutas, por sua vez, conecta as reivindicações do passado com as do presente, mostrando que a defesa da Universidade Pública no passado continua a reverberar e a inspirar todos aqueles que hoje continuam mobilizando-se por uma Universidade democrática e inclusiva. Esta exposição em seu conjunto revela a capacidade de as imagens superarem a dimensão do clichê e proporem uma reflexão crítica sobre a Universidade Rural. Imagens que revelam assim sua força política ao dar visibilidade às questões concernentes à Universidade, propondo à imaginação de quem as vê outros horizontes de possibilidade de realização. Esta exposição está à altura do destino que lhe foi conferido de ser a primeira na nova Biblioteca Central da UFRRJ. Que ela seja um disparador de outras iniciativas que colaborem para o desenvolvimento das iniciativas culturais na Universidade.
[1] CARLOS, Claudio Antonio S. Lima. O desafio de conservar a memória projetual e construtiva do campus Seropédica da UFRRJ. 19&20, Rio de Janeiro, v. XI, n. 1, jan./jun. 2016. Disponível em: <http://www.dezenovevinte.net/arte%20decorativa/caslc_ufrrj.htm> acesso em 14 de out de 2018.
[2] MURGEL, Ângelo. Apud LIMA, Fábio José Martins. Tradição e modernidade no percurso do arquiteto Ângelo Murgel: Parque Nacional de Itatiaia e Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, dois projetos urbanísticos. Boletim do Parque Nacional do Itatiaia. Parque Nacional do Itatiaia: Universidade Federal do Rio de Janeiro, n. 11, 2003, p. 20.
[3] DIDI-HUBERMAN. Devant le temps. Paris: Minuit, 2010, p. 9
[1] CARLOS, Claudio Antonio S. Lima. O desafio de conservar a memória projetual e construtiva do campus Seropédica da UFRRJ. 19&20, Rio de Janeiro, v. XI, n. 1, jan./jun. 2016. Disponível em: <http://www.dezenovevinte.net/arte%20decorativa/caslc_ufrrj.htm> acesso em 14 de out de 2018.
[2] MURGEL, Ângelo. Apud LIMA, Fábio José Martins. Tradição e modernidade no percurso do arquiteto Ângelo Murgel: Parque Nacional de Itatiaia e Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, dois projetos urbanísticos. Boletim do Parque Nacional do Itatiaia. Parque Nacional do Itatiaia: Universidade Federal do Rio de Janeiro, n. 11, 2003, p. 20.
[3] DIDI-HUBERMAN. Devant le temps. Paris: Minuit, 2010, p. 9
Essa exposição fotográfica foi confeccionada por alunos de graduação de História do campus de Seropédica, durante a disciplina optativa História e Imagem, no primeiro semestre de 2018. A partir da leitura dos textos dos autores estudados no curso, encaramos o desafio de produzir uma exposição sobre a nossa universidade e sua história. Como tornar imagem a vivência de alunos de história numa instituição de ensino público superior como a UFRRJ? Essa exposição foi resultado desse questionamento. Fizemos pesquisa no acervo iconográfico do arquivo histórico organizado pelo Centro de Memória e tivemos acesso ao trabalho realizado por eles sobre a história das construções arquitetônicas que fazem parte do campus de Seropédica. Diante do que pesquisamos, começamos a fotografar o campus, atentando para detalhes que normalmente passam despercebidos, e produzimos nosso acervo de fotografia sobre nossas vivências nesse espaço. As fotografias que produzimos apresentavam diferentes aspectos dessa instituição: havia tanto a Rural de belas paisagens, do “refúgio” e do “sonho realizado”, quanto a Rural “dos problemas estruturais” e das “aflições”, mas também a Rural “dos gestos”, palco de acolhimento e de sociabilidades, vestígios da apropriação desse espaço pelos alunos e funcionários da instituição. A exposição é composta por um grupo de colagens, que foram feitas com fotografias do arquivo histórico do Centro de Memória e do acervo que construímos com nossas fotografias, e que levantam a seguinte questão: Quantas Rurais fazem parte da UFRRJ e de sua história?
Organizadores: Alex Corrêa, Paula Margarida de Luna, Rodrigo Mendes, Sidney Silva, Thamíris Racca (Graduação de História da UFRRJ - Seropédica), Letícia Pumar (Programa de Pós-Graduação de História da UFRRJ ), Priscila Marcondes (Labdoc/Centro de Memória da UFRRJ).
Organizadores: Alex Corrêa, Paula Margarida de Luna, Rodrigo Mendes, Sidney Silva, Thamíris Racca (Graduação de História da UFRRJ - Seropédica), Letícia Pumar (Programa de Pós-Graduação de História da UFRRJ ), Priscila Marcondes (Labdoc/Centro de Memória da UFRRJ).
Exposição Pintura de João Magalhães no Museu da República: no gaguejar da linguagem (2017)
Letícia Pumar
Gostaria que minha pintura se desse como uma tentativa de atravessar a linguagem,
de não ter linguagem.
João Magalhães
de não ter linguagem.
João Magalhães
Nas obras que João Magalhães expõe atualmente na Galeria do Lago, no Museu da República (RJ), vemos que o artista cria margens de indeterminação entre o gráfico e o pictórico, o orgânico e o inorgânico, o contido e o transbordante. Suas obras sustentam essa margem de indeterminação, criam fissuras na linguagem, e nos fazem gaguejar. E é nesse gaguejar, na falha da linguagem, que novos elementos surgem e que os limites do possível são manejados. Tanto em suas obras, quanto em suas aulas, João Magalhães maneja as margens de indeterminação das linguagens e das técnicas operando cortes que possibilitam inéditas suturas. Lembro-me que em meu primeiro dia de aula de pintura com João Magalhães no Parque Lage, senti necessidade de começar a apresentação de meus trabalhos reforçando os erros que tinha cometido. Eu tinha comprado tinta para pintar madeira, ao invés de tinta acrílica para tela, e a pintura tinha ficado com um aspecto enrugado. João ouviu com atenção as minhas queixas e disse "vejo que você descobriu um novo elemento para pintura: tinta de pintar madeira usada na tela pode dar um tratamento ‘enrugado’ à pintura". Em suas obras inéditas apresentadas nessa exposição, João Magalhães se apropria de margens de indeterminações, desde elementos gráficos borrados até obras pictóricas em decomposição. Exerce em sua pintura o pensamento que exprime em sala de aula. A falha é vista como uma abertura para o novo, uma possibilidade tão maravilhosa quanto desconcertante. “São tentativas, são riscos”, afirma o texto curatorial de Isabel Portella. O artista arrisca, e seu risco desarticula princípios e conceitos, na tentativa, em suas próprias palavras, de atravessar a linguagem. Criar seria dar conta de usar os novos elementos encontrados em nossas pesquisas, sem nos esconder nos limites do possível que estão sempre dados de antemão quando não nos encontramos com o acaso e com as fissuras que ele acarreta. Dar potência às margens de indeterminação das linguagens é dar lugar à criação. Em períodos sombrios para a cultura e para a educação como estes em que vivemos, nos quais sentimos que perdemos os traços, as falas, os laços, João Magalhães parece afirmar em suas pinturas: nós criamos, logo existimos. É atualizar a nossa potência criativa, reafirmar nosso papel de agentes criadores a partir das margens de indeterminação do que hoje é visto como possível.